segunda-feira, 31 de outubro de 2016

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Churrasco No Py


Todo mundo tem um amigo, um primo longe, um contra cunhado, que possui uma estância de verdade e vive dizendo que vai armar um churrasco e convidar a parceria para um assado campeiro. Conhecer estância tudo bem, todavia a palavra churrasco desperta nosso atávico desejo de comer carne assado num braseiro.
Mas da conversa ao convite formal existe sempre um hiato preenchido por enrolação e corpo fora.
- Os bichos estão que é só pele e osso por causa da seca.
- Tô sem caseiro e a peonada está toda na colheita...
- A estrada tá um atoleiro só...
E por ai vai, mas um dia, meio alterado pela birita, tendo de retribuir algum convite ou aposta, o parceiro arma o tal de churrasco.
- Tá fechado, domingo que vem!
Primeira providência é descobrir a localização mais ou menos precisa, de onde se processarão "os trabalhos". Um mapa tosco é desenhado.
- E aí, precisa levar alguma coisa?
- Não! Tudo sob controle. Responde nosso anfitrião, num tom meio orgulhoso e meio ofendido.
No sábado anterior ao evento, sempre ameaça chuva, só pro "índio", que não come direito há dias, dormir cismado.
No domingo fatal, uma neblina prenuncia um dia lindo. Coloca-se uma roupa mais campeira, procura-se aquela bota que está com uma linda camada de mofo, apanha-se a melhor faca, e algum boné meio campeiro.
Sobe-se, até que enfim, no auto com um sorriso na região compreendida entre o coração e o estômago.
- Agora vai!
Enquanto se está no asfalto tudo corre bem, mas quando vai se chegando perto da primeira entrada marcada no mapa improvisado, a apreensão começa devagarinho.
- Marcou os quilômetros?
- Eu te pedi para cuidar a porteira depois dos eucaliptos...
- Amigo... sabe se é por aqui é que se vai pra estância Santa Izildinha (sempre nome de santa) do seu Chico?
Depois de temerárias bifurcações e muitos impropérios, o "anjo dos perdidos a caminho do churrasco" acorda e mostra o caminho. Parece de propósito, mas assim que estacionamos, uma matilha de monstros latindo e babando cercam o auto com intenções explícitas, juntamente com nosso (mui) amigo dizendo:
- Pode descer que os bichos são mansos.
Meio ressabiado vamos descendo e se acostumando uns com os outros. As crianças já sumiram apesar dos conselhos e ameaças. O anfitrião à vontade, de alpargatas de corda e bombacha arremangada, começa a fazer hora... mostra a casa, os potreiros, o pomar, explicando tudo, contando a história do lugar, enfim a chatice de sempre.
O ponto alto da visita é o galpão, de onde se percebe sinais de fumaça e cheiro de assado... oba! No dito cujo, aquele monte tralha peculiar, misturado com cheiro de pelego e de pesticida, tudo meio enjambrado pra dar lugar a uma mesa com uns bancos em volta.
Disfarçando a ansiedade e cuidando para a baba não escorrer, a gente se dirige para o local do crime, perto da porta. É um autêntico!!! Um belo capão em pedaços inteiros (paleta, quarto e costelas) assados à moda da campanha, fogo de lenha, espetos fincados no chão e salgado com salmoura.
Numa trempe alguma lingüiça enrolada ao lado da cambona com água pro chimarrão. Na volta alguns peões meio emburrados, desconfiados e sem nenhuma disposição para conversa. Por mais que se tente perguntar alguma coisa pertinente, sobre a idade e raça do bicho, o tipo de salmoura, a distância e o tempo do fogo... tudo que se obtém são grunhidos em algum insondável dialeto.
- Tudo bem, nossa meta principal não é propriamente conversar, é tomar umas e outras e fazer uma boquinha pensando nisso a gente começa a fazer conta... um capão e umas voltas de lingüiça... comigo vieram quatro, a turma do parceiro não é pequena, sem falar na peonada, Será que não vai faltar?
Bobagem o amigo sabe calcular, deve surgir um tira gosto, um pãozinho, uma maionese de batatas, um feijão mexido... relaxemos.
Falar em relaxar, tá na hora daquela cervejinha bem gelada, pra tirar o pó da garganta e como ninguém se mexe, larga-se a velha indireta: Viemos aqui para beber ou pra atirar pedra nas galinhas?
Uma caipirinha comunitária aparece, dou um bicadinha, tenho horror de destilado com açúcar.
Nesse instante um familiar do anfitrião se achega e cochicha algo em seu ouvido. Nosso amigo se afasta esbravejando e gesticulando retornando em seguida com um sorriso maroto.
- Que que houve, alguma zebra? Pergunto.
- Não foi nada, é que pedi pro inútil do meu filho trazer gelo para as bebidas... e ele não achou na cidade. Só me avisaram agora, mas já botei as loiras na geladeira... tudo sobre controle.
Como podemos observar, a coisa está se parando linda... pouca carne, cerveja quente e as crianças continuam sumidas!
Conversa vai, conversa vem, o pessoal - como que por encanto - começa a se chegar e a carne começa a ser servida na mesa, direto na tábua. Após um breve momento de vergonha e educação a turma avança como formiga em carcaça de gafanhoto, quando você se dá conta, mulheres e crianças estão no meio do entrevero, agarrando o que puder do jeito que der.
Você percebe que se for aguardar um suposto 2º tempo, vai ficar a ver navios. E se atraca também na carne dourada e macia do Ile de France. Deveria sobrar mais, mas a família da peonada também apareceu, e aquele pedacinho comido junto ao fogo direto no espeto ficou para uma próxima.
Buenas colocamos gelo na cerveja e jogamos mais uns 2 ou 3 baldes de conversa fora... quando bate aquele banzo que amolece os ossos e turva as idéias. Hora da séstia.
Na varanda não dá, pois o mulherio conversa falando 3 de cada vez. Uma cadeirinha de praia meio guenza e uma sombra de arvore para dar aquela roncadita caseira, é tudo que se quer...
Hora da volta... junta-se todo povo, despede-se elogiando tudo, prometendo voltar em seguida:
- Agora já conheço o caminho.

Gauchêz:
Estância: Campo, fazenda.
Índio: Pessoa, mesmo que vivente.
Enjambrado: Ajeitado de qualquer jeito.
Capão: Cordeiro, carneiro castrado próprio para o abate.
Trempe: Espécie de grelha com pés.
Cambona: Lata de óleo com cabo de arame torcido para esquentar água.
Entrevero: Confusão.
Ile de France: Raça de ovinos própria para carne.
Guenza: Frouxa, sem firmeza.


sexta-feira, 17 de junho de 2011

No meio do Caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

fOme moNu meNTal

publicado no Diário Popular em agosto de 2004, continua atual, creio.


De novo o assunto da reforma do Mercado Público... leio ávido aquelas informações sobre terraços, espaços e mudanças!
A saliva velha de guerra começa a emergir volumosa, a larica bate com força, uma fome quase que ancestral toma conta desta alma...
Oras bolas, este menino, o juízo perdeu, podereis pensar.
Explicar-me-ei. Muitos compartilham minhas idéias de reapropriação do Mercado de Pelotas de uma maneira mais cidadã e moderna.
Portanto começo a dar forma ao Mercado dos meus devaneios. Imaginem um espaço central, histórico e charmoso repleto de pontos e recantos com um cunho, diríamos assim, gastronômico!
Consigo ver vários botecos de categoria onde croquetes, pastéis, camarões fritos, bolinhos de batata disputam uma surda disputa pelo gosto dos clientes. Cervejas de várias marcas e chopp bem tirado, destilados e schnapps completariam uma gravura a la Bruegel.
Restaurantes meio bistrôs, meio beira de estrada, ar e comida caseira, comida típica do sul, da região e até deste mundão velho... Itália, Japão, Portugal, Líbano, China.
Uma boa  parrilla pilotada por hermanos daria aquele toque continental ao lugar.
Seria o paraíso para os que se aventuram nas lides da cozinha. Açougues limpos, diferenciados por tipo e cortes de carne, rês, ovinos, emplumados, exóticos e até caça. Galinhas da colônia, vivas quem sabe, seriam mais uma atração.
Produtos típicos da região teriam espaço privilegiado, ervas para o mate, mel e rapaduras, geléias e chimias, licores e vinhos. Sem esquecer o peito de ganso defumado. Além das quitandas com os agroelemnetos da época colhidos no entorno, orgânicos, porque não?
Certamente alguma banca vai se ver obrigada a dispor dos nossos tradicionais docinhos, afinal esperamos uma grande afluência de turista neste templo da culinária local.
Não ficaria completo sem bancas de temperos e especiarias, tomilho, estragão, aliche, açafrão, azeitonas e cogumelos e conservas. Outra banca se encarregaria de fornecer queijos e vinhos. Ao lado de uma delicatessen com fiambres diversos, embutidos e defumados e um que outro acepipe para aquela reunião petit comitê. Ah, charque de rês  e de ovelha seriam obrigatórios!
E como breve teremos uma fábrica de gelo na Z-3, as tradicionais peixarias poderão apresentar ao público seus produtos fresquinhos sobre aquelas lindas montanhas de gelos que conhecemos de outros mercados.
Imagino até cursos de culinária para os vendedores, com ampla distribuição de receitas e preparos diferenciados, seguindo um modelo dos açougues do interior da França onde os atendentes fazem questão de explicar tim  por tim por  como se prepara cada corte de carne, acompanhamentos e até o tipo de pão que deve se usar para se resgatar o molho que ficou no prato.
Sabedor sou que nem só de comida sobrevive o homem, por isso acho que artesanato local pode e deve dizer e se fazer presente, quem sabe diminutas “pelotas”, o barco de couro aquele como lembrete para turistas?


quinta-feira, 15 de julho de 2010

terça-feira, 13 de julho de 2010

crReMe gaUDério

Este creme inventei noite dessas... como todo aprendiz de mestre cuca, gosto de inventar. E das veis inté qui dá certo!
Tinha eu programado de fazer um uma torta de aipim com charque no forno. Mas minha vontade era de tomar uma boa sopa. Então adaptei.
O aipim é daqueles que vem limpo no saquinho de matéria com água, se achar do amarelo melhor. Muito prático, pois descascar aipim ninguém merece, deixo congelado e uso quando preciso. Piquei em pedaços menores e coloquei com água só cobrindo. Cozinhar bem, tirar os fios e bater no liqüidificador com metade da água. Se você gosta de alho, coloque na água uns dois dentes esmagados, ajuda a deixar o gosto se quedar com mais pronuncia.
Vai ficar um pirão com jeito de cola... não se assuste. Despeje o creme na panela em que ficou água que restou do cozimento. No liquidificador despeje um copo grande leite, bata para ajudar a limpar o copo e despeje na panela, ligue o fogo e mexa bem. O leite vai tirar o aspecto de grude. Deixei ferver em fogo baixo mexendo aqui e acolá.
Enquanto aipim cozinhava, piquei umas 300g de charque previamente demolhado, daquele da gamela do Moreira da Tiradentes e fritei com bastante cebola picadinha. Roubei uma concha da água do cozimento e despejei no refogado, acresci uma bisnagada de catchup, uma esguichada de shoyu e deixei cozinhar um pouco com a panela tampada. Verifiquei o tempero, por causa do sal charque e, de louco ainda botei um pouco pimenta calabresa, mas pode ser meia pimenta dedo de moça, picadinha sem as sementes.
Despejei o molho de charque para dentro do creme de aipim, mexi bem até retomar a fervura, acertei a consistência com mais água. Deixei ferver meigamente até todo mundo se incorporar de forma conveniente e aprazível.
Coloque mais lenha na lareira, e agregue um fio de azeite, salsinha picada e queijo ralado no seu creme, convoque umas torradinhas para empurrar.



Re susbtanciado de texto de 2004 do Diário Popular